Com a crescente demanda por soluções de observação da Terra, a corrida por monitoramento satelital no Brasil está em processo acelerado, mas os gargalos persistem
O planeta nunca esteve tão vigiado do espaço. Constelações de satélites produzem imagens diárias de alta resolução, algoritmos de inteligência artificial cruzam dados de sensores em diferentes comprimentos de onda e, cada vez mais, governos e empresas dependem desse fluxo de informações para tomar decisões críticas.
Mas, no Brasil, a crescente demanda por monitoramento remoto expõe uma contradição: enquanto os sistemas nacionais oferecem dados essenciais, há limitações que levam órgãos públicos e privados a recorrer às imagens comerciais.
Um mercado em expansão global
O setor de observação da Terra (Earth Observation, ou EO) movimenta bilhões de dólares e deve crescer de forma acelerada na próxima década. Segundo a consultoria Novaspace (fusão da Euroconsult e SpaceTec Partners), o mercado global deve ultrapassar US$ 8 bilhões até 2033, contra cerca de US$ 5 bilhões em 2023.
Estimativas do World Economic Forum e da Deloitte vão além: os dados de satélite podem gerar até US$ 700 bilhões anuais em valor econômico já em 2030, impulsionando setores como agricultura, energia, infraestrutura e seguros.
No centro dessa transformação está a capacidade de acompanhar o planeta em tempo quase real, com resoluções cada vez mais finas e custos em queda. Startups espaciais lançam enxames de satélites em órbita baixa, enquanto empresas privadas oferecem pacotes de assinatura de imagens diárias. O resultado é um mercado aquecido — e altamente competitivo.
O papel do Brasil: INPE na linha de frente
No Brasil, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) opera alguns dos sistemas de monitoramento ambiental mais reconhecidos do mundo. O PRODES calcula a taxa anual de desmatamento na Amazônia Legal, enquanto o DETER emite alertas quase em tempo real sobre novos desmatamentos e degradações florestais. Esses dados sustentam políticas ambientais e servem de insumo para operações de fiscalização.
O país também participa do programa CBERS, em parceria com a China, que já colocou em órbita satélites capazes de gerar imagens usadas tanto em monitoramento ambiental quanto em planejamento territorial. O mais recente, CBERS-4A, lançado em 2019, trouxe câmeras de maior resolução. Mas, mesmo com os avanços, há limitações.
O intervalo de revisita dos satélites nacionais ainda é relativamente longo: por exemplo, o CBERS-4 leva em média 26 dias para revisitar a mesma região, enquanto o CBERS-4A pode demorar 31 dias em certos pontos. Isso compromete a agilidade para detectar mudanças rápidas, como queimadas ou garimpos ilegais, especialmente em regiões cobertas por nuvens.
Para reduzir essa lacuna, o INPE desenvolveu o DETER Intenso, que combina sensores de diferentes satélites e amplia a capacidade de revisitar áreas críticas com maior frequência e resolução (em torno de 10 metros). Ainda assim, os próprios órgãos reconhecem que a cobertura não atende a todas as demandas.
Números-chave do monitoramento por satélite
Mercado global
- US$ 5,1 bilhões em 2024 (Grand View Research);
- US$ 7,2 bilhões até 2030 (CAGR ~6,2%);
- US$ 8 bilhões até 2033 (Novaspace / Reuters);
- Potencial econômico: US$ 700 bilhões/ano em 2030 (World Economic Forum & Deloitte).
Brasil – monitoramento oficial (INPE)
- PRODES: mede a taxa anual de desmatamento na Amazônia Legal (referência oficial);
- DETER: alertas quase em tempo real de desmatamento e degradação;
- CBERS-4: revisita em ~26 dias;
- CBERS-4A: revisita em ~31 dias;
- DETER Intenso: resolução de ~10 m, revisita diária em áreas críticas (quando condições climáticas permitem).
Demanda crescente no Brasil
- Polícia Federal: contrato de R$ 49,7 milhões com a Planet (imagens diárias <3m de resolução);
- Agronegócio: uso de sensoriamento remoto para produtividade, irrigação, crédito e seguros;
- Bancos e fundos: monitoramento para compliance socioambiental de propriedades rurais;
- ONGs e projetos ambientais: rastreamento de desmatamento, queimadas e mudanças no uso do solo.
Tendências tecnológicas
- Integração com modelos 3D (relevo, LiDAR, simulações ambientais);
- Sensores SAR (radar), que captam imagens mesmo sob nuvens ou à noite;
- Dashboards interativos com análises preditivas baseadas em IA.
Quando os satélites nacionais não bastam
Em 2024, a Polícia Federal firmou um contrato de R$ 49,7 milhões com a Planet, empresa norte-americana que opera centenas de satélites de órbita baixa. O objetivo era receber imagens diárias com resolução inferior a 3 metros — algo que os satélites brasileiros não conseguem entregar com a mesma frequência.
A justificativa foi clara: operações de combate a crimes ambientais exigem velocidade e precisão que os sistemas públicos não oferecem.
Esse episódio escancarou a dependência do Brasil de fornecedores estrangeiros para aplicações de alta criticidade. Ao mesmo tempo, revelou uma oportunidade para empresas privadas e startups locais que oferecem serviços de integração de dados, análises avançadas e dashboards customizados para clientes do setor público e privado.
Demanda crescente de múltiplos setores
Além da fiscalização ambiental, o monitoramento satelital se tornou peça-chave em diferentes áreas:
- Agronegócio: produtores utilizam imagens multiespectrais para estimar produtividade, identificar pragas e otimizar o uso de insumos. O sensoriamento remoto já é adotado por bancos e seguradoras para avaliar risco de crédito e compliance socioambiental de propriedades rurais;
- Finanças: fundos de investimento e bancos incorporam imagens de satélite para verificar a legalidade de áreas de cultivo e reduzir passivos ambientais em suas carteiras;
- Segurança e defesa: forças policiais e militares recorrem a satélites comerciais para mapear atividades ilegais, do garimpo ao tráfico de drogas em áreas de fronteira;
- Sustentabilidade: ONGs e projetos de conservação utilizam imagens para rastrear desmatamentos, queimadas e mudanças no uso do solo, aumentando a pressão por transparência.
A convergência dessas demandas indica que a observação da Terra deixou de ser um recurso restrito a cientistas e governos: tornou-se infraestrutura estratégica.
O salto para o 3D
Uma das tendências mais recentes é a integração entre dados de satélite e modelos tridimensionais do terreno. Mapas 3D gerados a partir de modelos digitais de elevação ou sensores LIDAR (Light Detection and Ranging, da sigla em ingês), oferecem contexto adicional para análises ambientais e agrícolas.
Enquanto imagens em 2D mostram onde ocorreu o desmatamento, um modelo 3D revela como o relevo influencia a erosão, o escoamento da água e a propagação do fogo. Essa visão integrada permite planejamento de reflorestamento, manejo hídrico e até simulações de desastres naturais.
Para empresas, o diferencial 3D agrega valor comercial: relatórios interativos e dashboards com perspectiva de relevo atraem clientes que exigem alta precisão.
A corrida pelo futuro
O monitoramento satelital é cada vez mais essencial para o Brasil, mas os gargalos persistem. A combinação de sistemas públicos robustos como os do INPE, com dados comerciais de alta resolução, parece ser o caminho mais imediato para suprir as necessidades. Ao mesmo tempo, o avanço de startups e a queda do custo de acesso à imagens abrem espaço para soluções híbridas, integrando diferentes fontes em plataformas de análise.
No fim, a questão é menos se o Brasil precisa de mais satélites, e mais como garantir acesso a dados confiáveis, contínuos e de alta resolução — condição indispensável para proteger a Amazônia e demais biomas, manter a competitividade do agronegócio e assegurar a sustentabilidade do desenvolvimento.


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